quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

CIRILA, UM NOME NA HISTÓRIA DA ARTE E CULTURA FELISBURGUENSE


Nunca se soube de onde ela veio... Nem mesmo teve sobrenome! Apenas, CIRILA!!! Uma mulher negra, pobre, solteira, forasteira, sozinha, sem família, artista... Ela reunia todas as caracteristicas de um individuo destinado ao preconceito e à intolerância. Porém, impôs sua cidadania e se tornou numa das mulheres mais importantes de toda a história de Felisburgo. Deixou-nos além do legado de suas esculturas, uma grande lição de vida e de cidadania. Sua memória jamais será apagada de nosso meio. Enquanto Felisburgo tiver história para viver e contar, Mestra Cirila permanecerá!

O PRESÉPIO DA “TIA” CIRILA



Já escrevi sobre ele aqui uma vez. Refiro-me ao majestoso presépio da “Tia” Cirila, em Felisburgo. Ele tomava a casa inteira da solteirona, que detestava sujeira e vivia em guerra com os animais que passavam pela sua calçada.

O presépio da “Tia” Cirila era o mais visitado no natal, não só pela população de Felisburgo, mas por muita gente das cidades circunvizinhas. Todos queriam vê-lo de perto, ajoelharem-se diante dele e render graças ao Deus Menino rosadinho, de braços erguidos no seu berço humilde de palha.



“Tia” Cirila recebia muito bem as visitas. Oferecia-lhes café com biscoitos de goma que eram uma delícia. Quem a visse tão feliz não seria capaz de imaginar o quanto um calundu crônico a deixava furiosa e transtornada quando algo a contrariava – os moleques de rua, por exemplo, e os animais que infestavam de porcaria sua calçada, sempre limpa e bem conservada.

Apesar de toda amabilidade, “Tia” Cirila, robusta mas ágil, não desgrudava os olhos das visitas, vigiava-as o tempo todo. Os suspeitos eram submetidos a um verdadeiro interrogatório e só então podiam entrar e apreciar toda a beleza esplendorosa da famosa “Gruta de Belém”, reconstituída tal e qual está descrita na Bíblia.



Precavida e desconfiada, “Tia” Cirila não gostava que os visitantes mal educados cuspissem no chão da casa, falassem palavrão, rissem ou conversassem alto demais, desrespeitando aquele lugar “santo”. Certa vez fizera o maior escarcéu chamando a atenção dos vizinhos, porque algum visitante ousara criticar um dos membros da “Família Sagrada”. O impostor tivera que se retirar às pressas, com “Tia” Cirila ameaçando-o com uma vassoura na mão.

- Me faça o favor de desaparecer daqui, Satanás! Lugar de Capeta é no inferno! Se veio botá defeito nas minhas coisas, por que não ficou em casa, seu moleque, vagabundo, safado? E faça o favor de tirar esta tiririca dos pés, seu imundo! Felisburgo ainda tem muita água! Inclusive pra lavá sua língua também! - Sapateava. Agitava-se toda. Só se controlava a muito custo. Considerava a “ofensa” de extrema gravidade e não podia ser perdoada assim tão fácil.



Aquele presépio que ela passava semanas edificando, reparando detalhe, embelezando-o com criatividade de genial artesã, aquele presépio venerado com tanta devoção, era sua vida.


Sem perder uma procissão, fazendo-se presente em todos os atos religiosos celebrados em Felisburgo, “Tia” Cirila ficava louca para que chegasse o fim do ano para homenagear e render graças ao Salvador do Mundo, erguendo uma réplica da famosa estrebaria que lhe servira de berço.

Passado tanto tempo, nem Cirila nem seu presépio modelo existem mais. Todavia ambos são sempre lembrados a cada natal, pois continuam mais vivos que nunca na memória de cada felisburguense que o conheceu, com um toque profundo de saudade e gratidão.

Autor: Sebastião Lobo
(Vigia do Vale – Na Boca do Lobo - n 622 – 06 de janeiro de 1997)






(Em 2013, Gladiston de Araújo, resgatou o Presépio de Tia Cirila e todos podem visitá-lo no Centro Cultural Baptista Brazil. Só lembrando que sobrou muito pouco de suas esculturas em argila, infelizmente. Ressaltando ainda que, as que restaram encontram-se em péssimo estado de conservação e estão sob a tutela do município. Quem sabe um dia não resolvem restaurá-las?)


Um comentário:

  1. Ela quando colocava o arroz com casca para secar de frente sua casa, cercava com suas cadeiras de abrir e fechar. Ai daquele que passasse por dentro do cercado. Fiz algumas vezes mas corri muito depois. Ela morava de frente a casa do meu Tio Jarbas ( In Memorium)

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