sexta-feira, 25 de maio de 2018

HISTÓRICO DA CAPELINHA DE NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS




A Capelinha de Nossa Senhora das Graças foi erguida por volta de 1.939 numa inusitada história de redenção e fé de dois forasteiros: um aventureiro misterioso com fama de mau e uma artesã de origem negra, católica devotada.

 A região dos sertões, posteriormente denominada “das Minas”, nativamente ocupada por populações indígenas, já era muito conhecida dos Bandeirantes. Os diversos caminhos que davam acesso ao interior da Colônia eram trilhados periodicamente, seja em busca de índios para serem escravizados, seja à procura de ouro e pedras preciosas. A região hoje conhecida como Vale do Jequitinhonha foi uma das primeiras a ser ocupada em Minas Gerais. Sua história remonta às primeiras Entradas, mas foram o ouro e as pedras preciosas que jogaram um papel primordial na estruturação de seu território.
 Com a instalação dos quartéis ao longo do Rio Jequitinhonha, no início do Sec. XIX, por determinação da Coroa, a região do baixo Jequitinhonha foi largamente explorada principalmente com a chegada do Alferes Julião Fernandes para comandar a sétima divisão nas margens do Córrego São Miguel, hoje onde se localiza a cidade de Jequitinhonha. Com a caça aos nativos para serem escravizados, muitos caciques e tribos fugiram pelas matas onde se estabeleceram e formaram novos povoamentos. Por volta de 1902, o precursor Manoel Albino iniciou a construção de uma capela em louvor a São Sebastião, no terreno onde atualmente localiza-se a atual Igreja de Nossa Senhora do Rosário, oficializando desta forma, a fundação do povoado denominado Comercinho do Rubim do José Ferreira e tendo o Santo como seu padroeiro. A partir dai, a ocupação do povoado foi logo iniciada com a chegada dos primeiros moradores e forasteiros. As noticias da existência de pedras preciosas e ouro na região do Jequitinhonha se espalhou rapidamente pelas redondezas, principalmente pelo sul e sudoeste da Bahia e, assim, varias lavra para procura da cobiçada pedra azul foram sendo abertas praticamente por todo território originando, inclusive, a formação de novos pequenos povoamentos. Foi nesse contexto que chegou ao então pequeno povoado o Sr. José Gomes Melo: vindo ninguém sabia de onde; indo ninguém sabia para onde!
 É dúbia e controversa as estórias, lendas e casos contatos durante todos esses anos sobre a personalidade e a vida de Jose Gomes Melo, um mito para a época.
"Para mim e para a criançada da minha época, Melo não era o facínora perigoso, frio e calculista que respondia a processos. E nem o fugitivo espetacular que se metamorfoseava quando perseguido e que se dizia ser ele. Melo era sim, para nós, um herói imbatível que se tornara figura lendária. Um herói que combatia tenazmente os poderosos em favor dos oprimidos e injustiçados". (LOBO, 1994, p. 228)

No imaginário popular aquela figura desconhecida e misteriosa estava fugindo da polícia ou havia cometido crimes por onde passava. Os garotos o idolatravam pela coragem e bravura, era um verdadeiro herói; os poderosos o temiam, tinha medo de que José Gomes de Melo cometesse novos crimes no lugar. Mas o que se revelava depois, segundo relatos de antigos moradores que conviveram com ele, é de que era um homem branco, bem vestido e de boa aparência, brincalhão e muito simpático, longe da figura medonha de bandido temeroso e foragido. Ainda segundo relatos de moradores, José Gomes de Melo veio do nordeste do Brasil, um lugar distante e que havia deixado família e filhos na Bahia.
 Logo em seguida a sua chegada, José Gomes de Melo conseguiu trabalho nas lavras de um senhor chamado Sebastião Felizardo, explorador de minas de pedras preciosas na região. Era bem quisto no meio social ate então, era cordial, gentil e de muita educação principalmente com as senhoras. Felisburgo, ou o então Comercinho do Rubim do José Ferreira, estava em desenvolvimento e a extração mineral e a agropecuária se destacavam como principais fontes econômicas. Trabalhando fervorosamente nas lavras, dia e noite, José Gomes de Melo sonhava em "bamburrar", na linguagem dos pedristas significava encontrar um salão onde na rocha onde provavelmente estariam as pedras azuis. A obsessão dele pelas pedras reforçou ainda mais o mito de facínora, perigoso e de foragido da justiça. Assim nasceu a promessa de José Gomes de Melo que, se "bamburrase", isto é, encontrasse as pedras preciosas, sairia correndo morro acima e onde cansasse pararia exausto, e ali fincaria uma cruz para sinalizar o local onde ele ergueria uma capela em homenagem a Nossa Senhora das Graças, como gratidão da benção alcançada. 
O Distrito de Felisburgo foi criado pela Lei estadual nº 843, de 07 de setembro de 1923, criado com terras desmembrada do distrito de Joaíma e subordinado ao município de Jequitinhonha e, por volta da metade da década de 1930, José Gomes de Melo se sentiu abençoado com o pedido feito à Santa quando encontrou finalmente as pedras preciosas. Ninguém sabe ao certo informar o que foi feito com as pedras e qual foi o destino das mesmas, já que a lavra pertencia ao senhor Sebastião Felizardo. José Gomes de Melo, antes o aventureiro e facínora, passou a ser o abençoado da Santa e na sua redenção ao que acreditava ser um milagre, fez cumprir sua promessa. “Ele, José Melo, subiu a Serra Morena correndo até ficar cansado. No ponto onde se cansou, fincou uma cruz e determinou que ali seria construída a capelinha”, contou a Sra. Maria Neuza Brandão, antiga moradora de Felisburgo, quando entrevistada. Para cumprir sua promessa, José Gomes de Melo escolheu a Serra Morena, assim denominada devido à sua cobertura vegetal que era toda de capim meloso - ou capim gordura, uma gramínea rasteira que ao se secar ao sol se tornava marrom escuro. A Serra Morena se localiza nas redondezas da cidade de Felisburgo, pouco mais de um quilômetro do seu centro e pertencia às terras de propriedade do senhor Cândido Moreira. Após uma corrida morro acima cansou-se num pequeno platô da Serra e ali fincou um cruz de madeira fazendo o marco construtivo da Capelinha que prometeu em homenagem a Nossa Senhora pela graça alcançada.

 Ainda segundo relato da Sra. Maria Neusa Brandão, José Gomes de Melo não chegou a iniciar a construção da Capela. Após se tornar afortunado da noite para o dia, provavelmente se envolveu em brigas e intrigas que o fez desaparecer do povoado do mesmo que surgiu: do nada, como já dizia a lenda! Um rapaz de nome desconhecido o acompanhou nessa fuga e que tinha um irmão que trabalhava numa fazenda no Município de Carlos Chagas, o que fez com que todos imaginassem que tivessem fugido para lá. Em 1957, o mesmo rapaz que acompanhou José Gomes de Melo retornou a Felisburgo anunciando o seu assassinato lá pelas bandas de onde foram morar. A notícia da morte de José Gomes Melo despertou tristeza no povoado era agora lembrado como homem bom, agradável e sociável com todos. Mestra Cirila uma devota religiosa foi quem tomou a iniciativa de retomar a promessa do homem morto e erguer, como prometido por ele, na Serra Morena, a Capelinha de Nossa Senhora das Graças.

Assim como José Gomes de Melo, Mestra Cirila também era uma forasteira e havia chegado há mais  tempo no povoado. Nunca se soube de onde ela veio, soube-se apenas que antes de pousar em Felisburgo, morou algum tempo na cidade vizinha de Jequitinhonha; nem mesmo teve um sobrenome, Era simplesmente Cirila. Era um negra forte, pobre e solteira que fazia artesanato e esculturas. Suas esculturas eram famosas como também seu presépio permanente que ficava na sua casa, montado durante todo o ano. Mesmo com suas origens desconhecida e humilde entrou para a história de Felisburgo impondo sua cidadania e tornando uma das mulheres mais influente e respeitada no povoado. Segundo pode se concluir nos relatos da população mais antiga que a conheceu, tinha um viés barroco, dramático e exagerado na sua personalidade, o que foi determinante na sua luta para a construção da Capelinha. Mestra Cirila, tomada de fé e piedade, iniciou uma campanha para que fossem doados materiais para a construção do templo.

Sem perder uma procissão, fazendo-se presente em todos os atos religiosos celebrados em Felisburgo, “Tia” Cirila ficava louca para que chegasse o fim do ano para homenagear e render graças ao Salvador do Mundo, erguendo uma réplica da famosa estrebaria que lhe servira de berço. (LOBO, 1997)


E de porta em porta, casa em casa, Mestra Cirila foi pedindo ajuda para a construção. Conseguiu com o Sr. Adelino Brandão um burro para que pudessem carregar o material até o local da obra na Serra Morena. Com a ajuda do pedreiro André Preto foram iniciadas as obras da construção. Ainda segundo a Sra. Maria Neuza Brandão, Mestra Cirila também pegava na colher, isto é, era pedreira e ajudante da obra também. Quanto mais a população e comerciantes viam a capela sendo erguida, movidos pela fé e força da Mestra Cirila, mais se dispunham a ajudarem doando materiais, alimentos, etc. A distância do local ate o centro do povoado e a topografia íngreme do terreno eram uma grande dificuldade para prosseguirem a obra. Mesmo assim, em 1939, estava pronta a Capelinha de Nossa Senhora das Graças ou como dizem alguns, a Capela do Melo, referindo ao seu mentor, José Gomes de Melo.
Aos poucos as pessoas que visitavam a capelinha foram doando santos de devoção que ao lado da santa padroeira ornamentavam o altar. Do lado esquerdo da Capelinha, na época de uma grande seca que arrasou toda a região, foi colocada tem uma cruz de concreto. As pessoas pediam em suas orações para que chovesse e, faziam penitência levando pedras na cabeça que eram depositadas no pé do cruzeiro. Este rito permanece até os dias de hoje. A Capelinha de Nossa Senhora das Graças da Santa Fé é visitada durante o ano inteiro, mas recebe o maior número de peregrinos e turistas na Sexta-feira da Paixão, ocasião em que o a comunidade sobe o morro celebrando a Via Sacra.
A localização privilegiada, a topografia e a paisagem deslumbrante, contribuíram para que aquele templo singelo viesse a ser, além de um marco religioso, um ponto de referencia social e turístico da cidade, pois proporciona aos visitantes uma visão espetacular da cidade e de parte da zona rural do Município. Era comum, muito tempo atrás, crianças irem brincar na capelinha e lá ficarem sentadas ou deitadas na escadaria a observarem sem pressa a paisagem local e Felisburgo além dos seus horizontes. Um semanal local da Câmara Municipal de Felisburgo publicou um artigo que terminava assim: “[...] assistir um pôr do sol, sentado na soleira da Capelinha Nossa Senhora das Graças, vendo a cidade de Felisburgo do alto... É o máximo! Sem igual."

Mestra Cirila, como artista e artesã, foi também a responsável pela ornamentação e organização da Capelinha. Era um espaço usado também por ela para mostrar suas peças sacras e esculturas. Em uma dessas visitas instalou no lado direito da fachada da Capelinha um espelho emoldurado com madeira que até hoje se discute qual seria a razão e a finalidade daquela peça.  Com seu espírito artístico, pode-se supor que ela, tendo observado o nascer do sol, imaginou que um espelho poderia refletir a luz solar e lança-la sobre a cidade, fazendo a Capela ser notada pela população durante o dia. Outra versão é a de que tendo a Capelinha se transformado num ponto de encontro de crianças e para brincarem o espelho passou a servir para que as mesmas observassem a cidade através dele. É comum a todas as crianças daquelas gerações as lembranças de já terem visto Felisburgo através do espelho da Mestra Cirila.
 Em 22 de junho de 1960, através de uma declaração pública registrada em cartório, o Sr. Candido Moreira Silva e sua esposa D. Vergolina Moreira de Oliveira, doaram o terreno onde se localiza a Capelinha Nossa Senhora das Graças, determinando uma área de oitenta metros quadrados no documento. Felisburgo teve sua emancipação em 01 de março de 1963 quando o primeiro intendente do Município, cargo equivalente ao de prefeito, Dário Félix Ferreira e a partir de então o poder público começou a cuidar mais da preservação da Capelinha de Nossa Senhora das Graças.
Cirila morreu em 13 de junho de 1976, e atualmente a Fazenda Santa Fé onde se localiza a Capelinha de Nossa Senhora das Graças pertence ao Sr. Florisluce Alves de Souza e continua sendo a maior referência histórica da religiosidade de Felisburgo.
"Lá está, branca como uma garça, a Capela do Melo. Bem na fralda da colina mais elevada de Felisburgo, destaca-se não pela suntuosidade, mas pela posição que se acha situada.” (LOBO, 1994)

A Capelinha de Nossa Senhora das Graças é um exemplar da arquitetura religiosa da primeira metade do Séc. XIX, seu estilo flerta com o neocolonial remetendo á arquitetura rural brasileira. Encontra-se isolada, situada em ponto elevado de uma colina chamada Serra Morena, em posição de grande visibilidade e destaque quando vista de vários pontos da cidade de Felisburgo. A sua implantação se faz de forma dominante num pequeno platô com a fachada principal direcionada para o sudoeste. Do centro da cidade, o acesso á Capelinha se faz através da Rua Deputado José Honório, que na sua extensão alcança-se uma estrada de terra, já na zona rural, de topografia íngreme ate a escadaria da capela. O entorno imediato da Capelinha de Nossa Senhora das Graças é a área rural da Fazenda Santa Fé, rodeada de vegetação rasteira tipo gramíneas e arvores de pequenos e médios portes. Existe rede de instalação elétrica com postes. Devido à sua situação em plano elevado e à ausência de construções do entorno, a Capelinha apresentas-se como excelente ponto contemplação, de onde se pode perceber o movimento descendente-ascendente das colinas e de toda a cidade e seus limites.
Fonte: Arquivos do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Felisburgo


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