"Senhora do Rosário, sua casa cheira..."
Com
a instalação dos quartéis ao longo do Rio Jequitinhonha, no início do Sec. XIX,
por determinação da Coroa, a região do baixo Jequitinhonha foi largamente
explorada principalmente com a chegada do Alferes Julião Fernandes Leão Taborda
para comandar a Sétima Divisão Militar, onde hoje se localiza a cidade de
Jequitinhonha. O Alferes Julião se
instalou à margem direita do Rio Jequitinhonha, em 1811, e, sua primeira tarefa
foi levar a sua fé cristã às inúmeras tribos de índios que habitavam aquelas
paragens e para isso trouxe em sua comitiva o Frei Domingo Casallis que
construiu varias igrejas nos diversos povoados intensificando, assim a
catequização dos gentios em toda a região. Com a caça aos nativos para
serem escravizados e evangelizados, muitos caciques e tribos fugiram pelas
matas onde se estabeleceram e formaram novos povoamentos durante o século XIX,
desbravando as matas fechadas do Jequitinhonha.
As
missões de padres estrangeiros para levar a catequização e o evangelho foi
intensa no inicio do século XX no Vale do Jequitinhonha. Tidos com selvagens e
indomáveis, os nativos necessitavam da fé religiosa e do poder divino para que
se tornassem civilizados. Até mesmo os forasteiros, que vinham de terras
distantes à procura de pedras preciosas ou terras férteis, eram rudes e sem
educação. Com o surgimento dos pequenos povoados em tornos dos quartéis
militares, tornou-se necessário que mais missionários e devotos fossem
deslocados para a região.
O
Povoado de Comercinho do Rubim de José Ferreira, atual cidade de Felisburgo,
foi originado por fugitivos dissidentes do Quartel do Alferes e nativos que não
aceitavam a escravidão dos portugueses, e não fugiu à regra de receber
religiosos franciscanos para professarem a fé católica. Por volta de 1902, o
precursor Manoel Albino iniciou a construção de uma capela, onde atualmente
localiza-se a Praça São Sebastião e ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário,
para que pudessem receber os padres para as celebrações. Em 1903, foi celebrada
a primeira missa local pelo padre Frei Emereciano Alves de Oliveira, pároco da
Paróquia de São Miguel em Jequitinhonha, oficializando a fundação do povoado. Por
volta de 1910, a casa de oração recebeu o nome de Capela de São Sebastião que
também se tornou o Santo padroeiro do município.
Entre
1910 e 1911 foi construído o Oratório de Nossa Senhora do Rosário, no
mesmo local onde atualmente encontra-se a Escola Municipal Euplínia Magalhães
Barbosa na Praça Tranquilino Pinto Coelho. A Capela de São Sebastião foi
reformada posteriormente pelo Frei Samuel Tetteroo que deixou mais dois projetos
de igrejas antes de partir: uma maior provavelmente para abrigar o Santo
Padroeiro São Sebastião, mas que veio se transformar na Igreja de Nossa Senhora
do Rosário; e a outra para São João Baptista.
Essa situação foi sendo modificada com a criação da
primeira diocese mineira, a de Mariana, em 1745, mas somente a partir de 1854,
com a criação da diocese de Diamantina, a administração eclesiástica dessa
região [de Minas Novas] foi desligada de Salvador.
Em 1910, foi criada a diocese de Montes Claros e, em
1913, a de Araçuaí, ambas desmembradas de Diamantina. (SOUZA, 1999)
Embora
a criação da diocese de Araçuaí, em 1913, significasse uma grande transformação
administrativa na região, em São Miguel do Jequitinhonha e outros povoados da
mata, a presença eclesiástica já se apresentava com grande força desde as
primeiras décadas de ocupação do espaço, até mesmo em período anterior à
criação da freguesia de São Miguel do Jequitinhonha, aparentemente decorrida em
1830.
Foi
inestimável a contribuição do Frei franciscano holandês Samuel Tetteroo ao
desenvolvimento das comunidades dos pequenos vilarejos em formação. Nascido na
Holanda em 1875, pertencente á Ordem dos Frades Menores, desembarcou na cidade
de Jequitinhonha no dia 4 de março de 1912 e nesse mesmo ano, o bispo de
Diamantina, Dom Joaquim Silvério de Souza, ofereceu aos frades franciscanos a
Paróquia São Miguel de Jequitinhonha. Desde 1870, o Padre Emereciano Alves de
Oliveira era quem estava à frente daquela Paróquia, já idoso, tinha 40 anos de
serviço paroquial e já aparentava cansaço. Os frades, dentre eles Samuel
Tetteroo, estabeleceram sua residência na cidade vizinha de Joaíma distante 30
km de Jequitinhonha e foram instruídos a iniciarem suas atividades apenas como
coadjutores e, assim, evitariam atritos com o velho pároco. Estava escrito num relatório
de Frei Samuel: “Lá fora nas matas, aonde o vigário não ia mais, poderíamos
trabalhar livre e independente; em São Miguel, porém, exercíamos nossas funções
sacerdotais somente a pedido do vigário”. O Padre Emereciano, muito doente
desde 1917, faleceu em novembro de 1920 e os frades puderam assumir definitivamente
o encargo pastoral da Paróquia de São Miguel.
Já
prestando seus serviços pastorais em Felisburgo e notando o desenvolvimento do
povoado que cada vez aumentava o número de fiéis, Frei Samuel Tetteroo
providenciou logo um projeto de uma igreja maior do que havia previsto para as
novas capelas. No dia 10 de setembro de 1913, Frei Júlio Berten, Comissário da
Santa Cruz (1911-1922) enviou Frei Feliciano Smitz para ajudar Frei Samuel Tetteroo
no trabalho de evangelização na região do Baixo Jequitinhonha. Frei Samuel
permaneceu por dez anos no Brasil exercendo atividades pastorais até o dia 9 de
abril de 1916 quando retornou à Holanda para visitar família. Muita gente lastimou
a sua partida e rezavam para que Frei Samuel voltasse em breve. Mas nem todos
estavam tão bem dispostos a recebê-lo de braços abertos, isto porque Frei
Samuel era um tanto zeloso mas também muito rigoroso com os muitos abusos que imperavam
entre a população tão pouca civilizada e instruída na fé, nunca deixando de repreender
quem fosse preciso. Em dezembro de 1916, quando retornava ao Brasil, foi
avisado na cidade de Teófilo Otoni, através de uma carta escrita pelo Frei
Júlio Berten, Comissário da Santa Cruz, para que não regressasse para a
Paróquia de São Miguel, pois havia deixado muitos desafetos entre os fiéis
repreendidos por ele e insatisfeitos com o rigor com que conduzira a comunidade
religiosa, e sua vida poderia até estar ameaçada caso insistisse no retorno a
Jequitinhonha e Joaíma. Frei Samuel Tetteroo assumiu, em 1917, a Paróquia de
São João do Vigia, na atual cidade de Almenara, morrendo em 1934 aos cinquenta
e nove anos.
O
Distrito de Felisburgo foi criado pela Lei estadual nº 843, de 07 de setembro
de 1923, criado com terras desmembrada do distrito de Joaíma e subordinado ao município
de Jequitinhonha. Pela Lei Estadual nº 336 de 27 de dezembro de 1948, o
Distrito de Felisburgo passa a pertencer ao recém emancipado Município de
Joaíma, mas continuou subordinado à coordenação religiosa da Paróquia de São
Miguel de Jequitinhonha.
Com a partida do Frei Samuel Tetteroo, os projetos para a nova igreja foram esquecidos e somente por volta de 1940 a comunidade, talvez motivada pela morte do Frei Samuel Tetteroo pouco tempo antes, começaram a construção do novo templo em sua homenagem. Foram quatorze anos de construção, até ser inaugurada em 1954. O terreno para a construção da Igreja foi doado pelo casal de moradores Miguel Pereira da Rocha e Alice Lacerda Pereira. Com a morte dos doadores, seu filho e herdeiro Manoel Moacyr Pereira transferiu definitivamente a posse do lote a Diocese de Araçuai, segundo documento lavrado no cartório em 27 de junho de 1961. Durante todos esses anos, a obra teve muitos operário e mestres de obras que foram responsáveis pela construção de uma parte da obra. O primeiro que se tem notícia foi um mestre português chamado de Manoel Belo Português que iniciou a construção até deixa-la alta faltando os vãos de portas e janelas. Belo havia terminado a obra da Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus, na cidade de Joaíma e foi encarregado da nova tarefa de erguer a nova igreja em Felisburgo. Em seguida, com a partida do português Belo, chegou um mestre chamado Alzer, não se sabe sua origem, mas trabalhou na construção e a deixou bastante adiantada. E por último, e talvez o mais lembrado, foi o pedreiro nortista José Vicente Cachoeira quem finalizou a construção.
Com a partida do Frei Samuel Tetteroo, os projetos para a nova igreja foram esquecidos e somente por volta de 1940 a comunidade, talvez motivada pela morte do Frei Samuel Tetteroo pouco tempo antes, começaram a construção do novo templo em sua homenagem. Foram quatorze anos de construção, até ser inaugurada em 1954. O terreno para a construção da Igreja foi doado pelo casal de moradores Miguel Pereira da Rocha e Alice Lacerda Pereira. Com a morte dos doadores, seu filho e herdeiro Manoel Moacyr Pereira transferiu definitivamente a posse do lote a Diocese de Araçuai, segundo documento lavrado no cartório em 27 de junho de 1961. Durante todos esses anos, a obra teve muitos operário e mestres de obras que foram responsáveis pela construção de uma parte da obra. O primeiro que se tem notícia foi um mestre português chamado de Manoel Belo Português que iniciou a construção até deixa-la alta faltando os vãos de portas e janelas. Belo havia terminado a obra da Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus, na cidade de Joaíma e foi encarregado da nova tarefa de erguer a nova igreja em Felisburgo. Em seguida, com a partida do português Belo, chegou um mestre chamado Alzer, não se sabe sua origem, mas trabalhou na construção e a deixou bastante adiantada. E por último, e talvez o mais lembrado, foi o pedreiro nortista José Vicente Cachoeira quem finalizou a construção.
A
comunidade já aflita com a demora prolongada da construção resolveu organizar-se
e formou-se uma comissão para que tomasse a frente da obra, fizesse campanhas
para arrecadar fundos e também administrar a construção. A comissão foi formada
tendo como presidente o Dr. Oscar Cardoso da Silva; o tesoureiro foi Sebastião
Ivo de Almeida e o secretário Jarbas Morais Costa. Ainda completava o grupo D.
Euplínia Magalhães Barbosa e D. Sinflora Rodrigues Pereira. Há uma placa de
pedra dentro da Igreja datada de dezembro de 1956 onde estão gravados os
agradecimentos da comissão a todos que contribuíram de alguma forma para a
realização da obra.
Inicialmente,
quando do começo da construção do templo, se imaginava que o mesmo seria para
abrigar o Santo Padroeiro São Sebastião cuja Capela de 1902 ficava no terreno
ao lado quase em frente à obra. Não se sabe ao certo o que aconteceu para que
fosse mudado o nome da Igreja para Nossa Senhora do Rosário que, curiosamente,
é considerada a Mães dos Homens Negros; No Brasil a devoção ao Santo Rosário
foi trazida pelos missionários da colônia e logo se espalhou, principalmente
entre os pretos escravos que nele encontravam as orações mais simples e
populares: o Pai-Nosso e a Ave-Maria. Eles usavam o Rosário pendurado ao
pescoço e depois dos trabalhos do dia reuniam-se em torno de um “tirador de
reza” e ouviam-se, então, no interior das senzalas, o sussurrar das preces dos
cativos. Alguns historiadores afirmam que os escravos de procedência Banto,
principalmente os de Angola e Congo, assim agiram porque a senhora do Rosário
já era sua padroeira na África, cujo culto para lá fora levado pelos primeiros
missionários que acompanharam a colônia portuguesa. Hoje, no Brasil, existem
mais de cem paróquias dedicadas a ela, como a mais antiga que fica na cidade de
Recife em Pernambuco.
Não se sabe de nenhuma relação da escolha da Santa do Rosário para dar nome a Igreja e as irmandades negras ou quilombos, concluiu-se que foi por pura devoção e isso pode ser comprovado com o Oratório construído para a Santa anteriormente por volta de 1910. Moradores mais antigos relataram sobre a prepotência dos mais abastados e dos coronéis que faziam o que queriam e como achavam que deviam. Contaram ainda, que já existia a Capela de São Sebastião, a comissão achou por bem homenagear Nossa Senhora do Rosário com a nova Igreja. Houve que não gostasse e achasse um absurdo o Distrito ter como Padroeiro São Sebastião e destinar a igreja principal ao outro Santo. O Sr. Sebastião Cacique, um dos opositores da ideia, logo providenciou uma imagem do Santo Padroeiro e colocou também no mesmo altar, ao lado da Nossa Senhora do Rosário, para que os dois fossem padroeiro da mesma Igreja. Com a urbanização da Avenida Brasil, na década de 1970, as praças foram reformadas e ganharam novo paisagismo com a plantação de palmeiras imperiais ao longo de toda a via e como consequência dessa modernização a Capela de São Sebastião foi demolida e deu lugar a uma Praça com seu nome.
Com a emancipação do Município de Felisburgo em 1963, a Igreja de Nossa Senhora dos Rosário continuou subordinada à Paróquia de Nosso Senhor Bom Jesus de Joaíma. Somente com a criação da Diocese de Almenara em 28 de março de 1981 pela bula Quodniam omnis, do Papa João Paulo II, desmembrando-a das Dioceses de Araçuaí e Teófilo Otoni que foi criada a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Felisburgo
A
partir da década de 1980, com as renovações católicas, a Igreja de Nossa
Senhora do Rosário sofreu várias intervenções físicas. As novas demandas
pastorais e as modernas organizações internas dos templos foram modificando os
espaços internos das igrejas. A Igreja do Rosário foi inicialmente construída
com forte apelo ao divino e ao dramático com seus vitrais altos e interior de
pé direito elevado. O seu interior que foi em parte descaracterizado, quando da
intervenção de 1978, perdeu muito da dramaticidade do espírito medieval que era
e é ainda hoje característico de muitos interiores de igrejas católicas. As
missas eram celebradas no altar mor e de costas para os fieis. Foi feita uma
elevação do piso para que a mesa de celebração fosse colocada no centro da nave
e todos assistissem à celebração. Nessa reforma, muitos adornos e o próprio
altar foram descaracterizados e até retirados da igreja. Posteriormente, na
década de 1990, o forro original foi substituído por um de PVC e as platibandas
laterais foram demolidas para que aparecessem os beirais do telhado de duas águas
e evitassem assim as infiltrações causadas pelas calhas.
O
maior destaque, porém, da edificação está no seu revestimento externo. É de se
impressionar milhares e milhares de caquinhos de vidro que eram coletados pela
população e doados para serem inseridos na argamassa do reboco da igreja.
Muitas garrafas de vidro foram trituradas para que pudessem compor a fachada
que depois refletia as luzes do sol e da lua. Ainda hoje alguns moradores que
ajudaram na construção da igreja lembram de como eles juntavam os cacos de
vidro coloridos e as garrafas que deram o acabamento exterior do templo
religioso.
Fonte: Inventário do IEPHA 2017
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